As políticas da vida: o visto humanitário e a nova razão governamental
DOI:
https://doi.org/10.22293/21791376.v13i24.1416Abstract
Em virtude da insuficiência da caracterização do refúgio no atual mundo globalizado, com as linhas que demarcam as diferenças entre refugiados e demais migrantes cada vez mais tênues, o governo brasileiro admitiu a acolhida de determinadas populações a partir da regulamentação de um modelo de visto de caráter humanitário. Mesmo que, à primeira vista, a instituição de política migratória permeada por sentimentos morais mostre-se digna de apreço, por outra perspectiva, é mais um exemplo de uma nova forma de governar na contemporaneidade: a intersecção entre humanitarismo, política e direitos humanos. A presente pesquisa tem como objetivo analisar a possível relação entre o estabelecimento do visto em detrimento da negação do pedido de refúgio e a sua incorporação na razão humanitária, a partir da construção teórica de Didier Fassin. Para tanto adota como metodologia a pesquisa bibliográfica, de fontes internacionais e nacionais, com uma abordagem qualitativa e exploratória. Com isso, pretende-se demonstrar a distribuição desigual de valores às diferentes formas de vida, com a distinção entre vidas que valem ser salvas e as descartáveis. O visto humanitário é, por essa ótica, apenas um meio de priorizar a sobrevivência física de determinados indivíduos, enquanto nega-a para outros.References
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